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Mini-cursos |
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Título: Os arquivos repressivos das ditaduras civil-militares de segurança nacional do Cone Sul |
Proponentes: Caroline Silveira Bauer (UFRGS) |
Descrição: O objetivo deste mini-curso é fornecer uma problematização sobre um aspecto da história recente do Cone Sul da América Latina que são os arquivos repressivos das ditaduras civil-militares de segurança nacional do Cone Sul.
Quando se fala sobre os arquivos da repressão, é imprescindível fazer referência à repressão propriamente dita ou, ao menos, aos sistemas de informações, já que foi essa estrutura que produziu tais documentos. Para as ditaduras civil-militares de segurança nacional que vigoraram entre as décadas de 1960 a 1980 no Cone Sul da América Latina, a produção de informações possuía uma importância fundamental, pois através dos dados existentes nos arquivos militares e policiais, orientava a execução das operações de repressão. Mesmo que muitas ações desses regimes estivessem pautadas pela clandestinidade – o que poderia significar a inexistência de registros documentais – esses regimes possuíram estruturas hierárquicas, com uma organização burocrático-militar cuja prática implicava criar registros, redigir informes, organizar prontuários e arquivos. Manter e alimentar esses registros, acumulá-los e ordená-los fazia parte das tarefas habituais dos regimes autoritários.
Os chamados “arquivos da repressão” são conjuntos documentais que foram produzidos pelos órgãos de informação e segurança em ações repressivas durante a vigência das ditaduras de segurança nacional. Em sua maioria, compõem-se de documentos pessoais roubados ou de declarações tomadas em circunstâncias de extremo desrespeito aos direitos humanos. São documentos permeados por práticas difundidas nos anos da ditadura e da repressão como a denúncia, a delação, os falsos testemunhos. A informação que compõe esses arquivos é, majoritariamente, conseguida através da violência física ou psicológica. Esses documentos, fichas e declarações são produto de situações limite, de regimes autoritários onde a intolerância é uma parte vital do sistema.
Os “arquivos da repressão” possuem uma série de especificidades quanto a sua existência, organização, preservação e difusão, questões que extrapolam os limites da arquivística e atingem os âmbitos ético e político. Esses documentos afetam diretamente a sociedade onde foram recuperados (Estados, agentes da repressão, vítimas, familiares, organizações de direitos humanos, Forças Armadas), principalmente por seus protagonistas ainda estarem vivos e ser um fato do passado recente dessas sociedades. Isso traz à tona a discussão sobre a privacidade e a preservação da intimidade das pessoas. Além disso, esses arquivos possuem, fora o valor histórico e judicial, um valor de memória e um valor de identidade. Esses arquivos possuem uma especificidade intrínseca, chamada por alguns pesquisadores de “efeito bumerangue”: os documentos que conformam os acervos provenientes das forças repressivas servem no presente para uma atividade diretamente oposta a sua origem: produzidos para coordenar as ações repressivas, atualmente podem ser usados para compensar às vítimas pelas arbitrariedades e violações a seus direitos humanos. Tais arquivos, que foram absolutamente necessários para o exercício das atividades repressivas, se convertem no regime instaurado após as ditaduras em um instrumento social insubstituível para conformar as novas relações sociais.
A forma como os processos de transição política das ditaduras de segurança nacional foram encaminhados pelos governos e pela sociedade influenciaram, em grande parte, na gestão, preservação e conservação dos arquivos da repressão. Em nenhum desses países, a abertura dos arquivos foi feita como uma política de governo, mas como uma luta de parte da sociedade civil diretamente envolvida na questão, como as comissões de familiares, organizações de direitos humanos, etc.
O ocultamento dos arquivos é uma forma de reprodução da desmemória, entendida como uma ausência de memória. Para se lembrar de um evento, é necessário que se saiba o que aconteceu. As fontes de pesquisa e informação permanecendo inacessíveis impossibilitam o conhecimento sobre a história do país e a conseqüente produção de memórias sobre o período, além de perpetuar as práticas de autoritarismo como constante ameaça à democracia. A abertura dos arquivos da repressão é uma medida fundamental para assegurar e consolidar os regimes democráticos que sucederam as ditaduras de segurança nacional.
Através deste mini-curso, objetiva-se uma sistematização da produção desenvolvida sobre os arquivos repressivos e as possibilidades de estudos desenvolvidos com o material constante nestes acervos como a própria transformação do arquivo num objeto de análise.
Conteúdo Programático
1. Por uma problematização dos arquivos repressivos
A noção de arquivo e o poder dos documentos; os arquivos como locais de memória e de história; arquivos repressivos como um problema social de dimensões política, administrativa e histórica.
2. Os arquivos repressivos das ditaduras do Cone Sul
A repressão das ditaduras do Cone Sul e seus documentos; os processos de transição política no Cone Sul, o processo de interdição do passado e os arquivos repressivos; ocultação e descobrimento dos arquivos da repressão no Cone Sul.
3. Arquivos repressivos e Arquivologia, História e Filosofia: multidisciplinaridade
O grupo de especialistas da UNESCO, o Conselho Internacional de Arquivos e a elaboração do documento “Los archivos de la seguridad de los desaparecidos regímenes represivos”; a legislação sobre arquivos; a especificidade dos arquivos da repressão.
4. Experiências em relação aos arquivos repressivos
O Memoria Abierta, a Comisión por la Memoria de la Provincia de Buenos Aires, o Centro de Estudios Legales y Sociales na Argentina; os arquivos da polícia política no Brasil; a Fundación Documentación y Archivo de la Vicaria de la Solidaridad no Chile; o Archivo del Terror no Paraguai; e os Arquivos Nunca Mais argentino, brasileiro, chileno e uruguaio. |
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